segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A Dança das Sombras

1- O Vagabundo

Já tinha acordado há cerca de meia hora, mas ainda estava atordoado com aquele sonho. Sentia-se estranho, quase como se o tivesse vivido, e caminhava agora, qual tigre enjaulado, de um lado para o outro, com um ar ausente, tentando escrutinar o significado daquele sonho. As pessoas na rua olhavam para ele com ar de desprezo (e outras com pena), ouvindo-se por vezes comentários do género, “olha o que o álcool faz.” ou “Coitado daquele homem. Não bate bem da cabeça…”. Mas o homem permanecia indiferente, ou por não os ouvir ou por não querer saber, pois havia coisas que o preocupavam mais. Já lhe tinha passado aquela sensação de vergonha e humilhação que sentiu quando se levantou imediatamente a seguir a ter acordado, coberto de urina. Agora que olhava em retrospectiva sentia-se parvo por se ter sentido assim, humilhado. Ele era um vagabundo. Sim, apenas um vagabundo. E ninguém liga a vagabundos, são sempre olhados como trapos, como pesos mortos, buracos negros na sociedade que sem estes erros humanos bem se poderia tornar numa sociedade utópica. Mas ele não queria saber do que é que os outros pensavam, já tinha desenvolvido aquela “carapaça” que protege os desafortunados destes ataques vindos do mundo exterior. Ele era apenas mais um vagabundo e sabia disso. Ele tinha vindo como muitos outros de um país do Leste da Europa (da Ucrânia), em busca de uma vida melhor, de certo modo à procura do “Portuguese dream” (como somos portugueses e falamos português seria preferível dizer “o Sonho Português”). Mas agora que já que conhecia melhor este país questionava-se que sonho seria esse e se existe estará muito bem escondido, como um tesouro o qual muito provavelmente já foi encontrado por alguém que egoistamente o guardou apenas para si. Mas que seja ponto assente que ele procurou esse sonho. Procurou arranjar empregos de confiança e que lhe permitissem arranjar sustento, mas os empregadores respondiam sempre, tentando esconder um ar de repúdio e apresentando uma cara séria e profissional e ainda com um leve trago de “eu gosto muito de estrangeiros…”, mas apresentando invariavelmente uma cara pura e simplesmente estúpida, “Pedimos desculpa mas não julgamos que se enquadre bem neste emprego e mesmo que se enquadrasse, o facto de se encontrar neste país ilegalmente iria impedir-nos de o contratar”. Como se ele se importasse se se enquadrava ou não, se gostava ou não do emprego, ele queria era sobreviver nesta selva urbana. A sua situação como emigrante ilegal levou-o a ter de restringir as escolhas para emprego. Acabou por seguir um caminho comum a muitos outros imigrantes e foi trabalhar para as obras. No final do seu primeiro mês de trabalho, quando chegara o momento de ser pago o empregador assumiu um ar arrogante e disse-lhe que não apreciaram o seu trabalho e que portanto estava despedido. Sem protestar o vagabundo foi-se embora, deixando para trás o seu ex-patrão, boquiaberto do quão espantado estava com a atitude do seu ex-trabalhador. Houve muitos mais insucessos, mas não faz sentido eu falar sobre eles pois o resultado é sempre igual: a resignação do vagabundo seguido pela procura de uma nova hipótese de trabalho. Após uns dias sem comer e a petiscar em caixotes do lixo, o vagabundo decidiu começar a pedir umas esmolas e passado algum tempo tornou-se num pedinte de respeito (não é o sonho de qualquer um?). Hoje ele é apenas matéria que ocupa o espaço, sem nome nem nada que o defina. Agora ele sabe que, ao contrário do que muitos possam dizer o sol não brilha para todos e no caso dele, encontra-se sempre coberto das nuvens mais negras que existem.

1 comentário:

RR disse...

Pressinto uma mentalidade anti chauvinista que muito me agrada.